Mad Max e Blader Runner: A estética da distopia no cinema

Nathan Couto
6 min readJun 2, 2021

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Sociedades e futuros distópicos já foram representadas diversas vezes no cinema e é isso que Mad Max: Estrada da Fúria e Blade Runner — O Caçador de Andróides têm em comum, porém, ambos se utilizam recursos audiovisuais diferentes para representar uma ideia. Antes de entrar no assunto, é importante destacar que os filmes citados, além de ter uma estética diferenciada, também se deferem no fator “apocalíptico”. Enquanto a franquia de Mad Max é uma distopia pós apocalíptica, Blade Runner mistura o subgênero neon noir com elemento de distopia.

George Miller, para evidenciar a estética de um estado apocalíptico, utiliza cores quentes, com muito contraste e tons de amarelo e laranja na paleta. Enquanto isso na direção de arte, o cenário conta muita aridez e poeira e assim deixando com um ar desértico. Já Ridley Scott utiliza uma fotografia e ambientação com as cores frias e tons de azul que estão presentes ao longo do filme e mostram um teor de melancolia que acompanha nas cenas reflexivas das personagens.

Cena de Mad Max: Fury Road. Max pendurado no capô de um carro e com uma focinheira.
Mad Max: Fury Road(2015), de George Miller
“Rick Deckard”, personagem de Harrison Ford
Blade Runner(1982), de Ridley Scott

Mad Max deixa claro que se passa em um momento distante em que o planeta se torna um lugar inabitável e sofre com uma escassez de recursos. Além disso, se perdeu o conceito de humanidade e os valores éticos e morais foram reduzidos a nada. A trilha sonora conta com uma música altamente frenética, que está totalmente ligada ao ritmo em do filme e sua montagem. Essa cadência que também está conectada ao comportamento dos personagens que estão com um sentimento de loucura e insanidade a maior parte do tempo.

Deserto
Cena de Blade Ranner. Pessoas com guarda chuva.

Em Blade Runner temos um cenário urbano e futurista que se utiliza de características do cyberpunk para construir um plano de distopia digital/eletrônica. Nas cenas temos lugares escuros, chuvosos, poluidos e claustrofóbicos, tudo isso sempre a noite, o que deixa o filme mais sombrio e o torna um personagem da história. Assim como a fotografia, a trilha sonora também é mais calma e contemplativa e combina muito com as cenas de reflexão do filme.

Tudo isso se encontra em características de filmes de distopias, que têm como base a projeção do futuro e o medo do novo e, assim, demonstram como objetivo denunciar uma situação contemporânea e demonizar um inimigo. No caso de Mad Max, existe a crise hídrica, escassez de combustíveis e falta recursos naturais e ainda precisam lidar um líder tirano, ou seja, uma dura crítica aos sistemas e governos autoritários.

Já em Blade Runner, a situação problema não é a escassez de recursos e sim o conflito tecnológico. No longa existe uma denúncia ao modo de como o ser humano se relaciona com a tecnologia, que estava em advento na década de 80(lançamento de computadores, câmeras digitais, aparelhos portáteis de som, etc). A presença de andróides que são parecidos com seres humanos e humanos que são parecidos com andróides ajuda a alimentar a ideia da dependência tecnológica. Existe um medo da dominação de grandes corporações(no filme isso é retratado com diversas cenas de propagandas e publicidades em outdoors gigantescos) e do digital sucumbir a mente humana, tanto é que alguns personagens vivem sempre na dúvida se são humanos ou replicantes.

Outro aspecto que também os difere, são as abordagens apresentadas. No final do segundo ato de Mad Max, ele quebra durante um tempo a sua estética apresentada durante a maior parte do filme e começa colocar cores frias no quadro. O azul prevalece, o mesmo que transmite, nesse caso, a confiança. A partir desse momento da obra os personagens já adquiriram intimidade entre si, e não passa pelas suas cabeças a possibilidade de traição.

Neste momento, Max (Tom Hardy) erra em todas as tentativas de abater o inimigo com um tiro, logo em seguida, Furiosa (Charlize Theron) toma a arma e com uma investida, conclui o objetivo. Mad Max, apesar de ser dirigido, escrito e produzido por um homem, possui uma representação trabalhada de suas personagens femininas e isso atende os anseios do tempo atual e as demandas do público feminino. George Miller coloca isso com muito cuidado e cautela para não causar desconforto. Símbolos como o de colocar o protagonista no banco de carona, passam uma mensagem e mostram que o diretor tem um propósito de questionar paradigmas da sociedade e quebrar papéis esteriotipados no cinema hollywoodiano.

Blade Runner é uma obra com múltiplas camadas, porém, tem como o tema principal a questão do que é “ser” humano. Em dado momento do filme, existe um diálogo entre o criador e criado e o que era azul e verde, se torna amarelo e dourado (cenas com Dr. Eldon(Joe Turkel) possuem esse tom para passar a ideia da riqueza e endeusamento). Na conversa entre eles, Roy Batty (Rutger Hauer) exige que o inventor lhe dê mais tempo de vida, mas isso é algo impossível de ser feito e pouco tempo depois, mata o seu “pai”.

Roy tem o desejo de se tornar mais humano e se sente frustrado por não ter memórias reais e não sabe lidar com a ideia de que nunca será humano. Os humanos em Blade Runner têm repulsa aos replicantes por serem “cópias” deles mesmos, mas com memórias implantadas e emoções não tão desenvolvidas. O dilema é que na verdade os próprios indivíduos também perderam sua subjetividade, empatia e alteridade e a partir daí que se começa a discutir o que faz ser humano.

Cabe — se salientar também que o contexto histórico em que as duas obras passam reflete nas discussões que o filme faz. Blade Runner foi lançado durante a Guerra Fria e Mad Max é um filme contemporâneo. Na década de 80 a China começa a se tornar uma potência e existe um temor norte-americano que ela se torne uma influência sobre o mundo e nos dias atuais muito se tem discutido sobre a questão da sustentabilidade, miséria e ambientalismo. Ambos discutem os assuntos em que sua época traz e faz uma projeção do que pode acontecer futuramente e eles se utilizam de características audiovisuais para construir um cenário apocalíptico.

Referências

A distopia da insanidade de Mad Max. http://lounge.obviousmag.org/esquina_do_obvio/2015/05/a-distopia-da-insanidade-de-mad-max.html

Mad Max: épico notável, distopia possível. https://outraspalavras.net/poeticas/mad-max-epico-notavel-distopia-possivel/

Blade Runner: a distopia tecnológica da alma. https://cinemascope.com.br/colunas/blade-runner-a-distopia-tecnologica-da-alma/

Blade Runner: a criação do universo cyberpunk. http://jornalismojunior.com.br/blade-runner-a-criacao-do-universo-cyberpunk/

Como a mitologia e o feminismo fizeram de Mad Max: Estrada da Fúria o melhor filme de ação do ano. https://super.abril.com.br/blog/cultura/como-a-mitologia-e-o-feminismo-fizeram-de-mad-max-estrada-da-furia-o-melhor-filme-de-acao-do-ano/

Blade Runner: o que é ser humano? https://www.contioutra.com/blade-runner-o-que-e-ser-humano/

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Nathan Couto
Nathan Couto

Written by Nathan Couto

Nascido no 5° dia do Século XXI, Bacharelando em Produção Cultural no IFRJ, músico instrumentista profissional e crítico de cinema.

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